Durante a pandemia, o mundo corporativo viveu um experimento em escala global: o trabalho remoto deixou de ser privilégio de poucos para se tornar o novo padrão. Desenvolvedores, principalmente, desfrutaram de um período de ouro, onde podiam trabalhar para mais de uma empresa, administrar melhor seu tempo e — sejamos francos — aumentar sua renda como nunca.
Só que o cenário mudou.
Com o fim da pandemia, muitas empresas começaram a puxar o tapete do “remoto pleno” e exigiram a volta ao escritório, ao menos em regime híbrido. E agora, temos um embate silencioso, mas inevitável: o conforto produtivo do programador nômade versus a saudade da cadeira da firma.
1. A nova pressão corporativa: voltar para o escritório (nem que seja um pouco)
Empresas como Google, Amazon e Meta já deram o recado: querem seus colaboradores ao menos 3 vezes por semana presencialmente. O argumento? Colaboração, cultura organizacional, inovação espontânea nos corredores…
Mas vamos ser honestos: também é controle.
❗ Para as empresas, o remoto absoluto reduziu a visibilidade. Elas não sabem quem está com dois notebooks, nem quem trabalha para duas ou três empresas ao mesmo tempo, entregando o mínimo para cada uma.
🔍 Esse movimento de retorno parcial é, em parte, uma forma de “reapropriação do tempo do funcionário”. É o “lembrete” de que existe uma relação formal — e, para algumas, até uma ideia ultrapassada de exclusividade.
2. O programador multiclientes e a era do ‘faz-tudo’
Durante a pandemia, desenvolvedores começaram a ganhar bem mais — e com bem menos dor de cabeça.
- Home office integral
- Zero deslocamento
- Contratos como PJ, CLT flex ou até freelas disfarçados
- Câmbio favorável para quem foi trabalhar para fora
Aí vieram os “vários contratos ao mesmo tempo”. E sim, muita gente surfou essa onda com maestria: dois salários, turnos bem divididos, entregas em dia.
Mas a verdade é que nem todo mundo estava preparado para isso. Começou o “copiar e colar” de código, burnout disfarçado de produtividade, prazos furados, entregas medíocres.
E quando tudo virou remoto, tudo também ficou mais fácil de esconder. Até que as empresas começaram a sentir no bolso.
3. O futuro do trabalho: híbrido, flexível e fiscalizado
O que vem por aí não é a volta completa ao modelo antigo, nem a utopia do remoto total. O que está se formando é um meio-termo incômodo, onde o escritório volta a existir, mas agora como ferramenta de monitoramento indireto e reposicionamento de poder.
🎯 As tendências mais visíveis hoje:
- Híbrido obrigatório em grandes empresas
Empresas como Itaú, XP e Mercado Livre já sinalizaram: trabalho remoto virou exceção. - Modelos mais rigorosos de contratação
O que antes era “PJ desenrolado” agora virou contrato com cláusula de exclusividade, horário rígido e até uso de ferramentas de rastreamento. - Cultura da performance documentada
Se antes bastava “entregar no final”, agora estão pedindo presença em reuniões, atualizações no Slack e KPIs bem mais visíveis. - Valorização de empresas que mantêm o remoto real
Startups com modelo remoto nativo se tornam mais atraentes para talentos que não querem voltar a encarar trânsito e dress code.
4. O novo dilema do desenvolvedor: ser discreto ou ser exclusivo?
Agora, surge a dúvida cruel para quem estava trabalhando em dois ou mais projetos:
- Você consegue manter a qualidade e cumprir todos os compromissos com as empresas voltando ao presencial ou semi-presencial?
- Está preparado para escolher uma empresa e encarar um contrato mais fechado — mesmo que isso signifique reduzir sua renda?
- Ou vai tentar esticar a corda até arrebentar?
🎭 Muitos profissionais estão vivendo uma dupla identidade, dividindo energia, foco e responsabilidade. Mas essa estratégia, se não for sustentável, cobra juros altos: estresse, queda de performance, perda de reputação.
Reflexão: Se você está em três empresas e nenhuma delas vê você como peça fundamental, talvez o problema não seja o número, mas o impacto.
5. O que empresas e desenvolvedores precisam entender (urgente)
Para as empresas:
📌 Se o seu colaborador está topando trabalhar em dois lugares ao mesmo tempo, talvez sua empresa não esteja sendo atrativa o suficiente.
📌 Cláusula de exclusividade só faz sentido se houver exclusividade no tratamento também.
📌 Valorize entregas, não presenças. Cultive pertencimento — não só regras.
Para os devs:

⚠️ Trabalhar para múltiplas empresas pode ser financeiramente vantajoso, mas emocionalmente esgotante.
⚠️ Se a empresa voltar ao presencial, você terá que escolher. E a escolha deve ser estratégica, não emocional.
⚠️ Comece a pensar em criar produtos ou consultorias próprias — porque a bonança do “multicliente remoto” está com os dias contados em muitas áreas.
6. Caminhos sustentáveis para o novo mundo do trabalho
🧭 Para quem quer continuar remoto:
- Busque empresas com modelo remoto por essência, e não aquelas que apenas toleraram o home office na pandemia.
- Seja transparente sobre sua carga de trabalho. O risco de queimar sua reputação é maior que o dinheiro a mais no final do mês.
- Entregue mais do que prometeu. Remoto exige confiança em dobro.
🧱 Para quem vai voltar ao presencial (mesmo que híbrido):
- Use os dias presenciais para criar laços, reforçar confiança e mostrar seu valor — algo difícil de ser substituído por chats e emojis.
- Negocie com clareza: mostre resultados antes de reclamar do modelo.
Conclusão: O futuro do trabalho é menos sobre onde e mais sobre como
A pandemia deu autonomia. O pós-pandemia está cobrando responsabilidade.
O desenvolvedor multitarefa, nômade, multitela e multifatura está sendo observado — pelas métricas, pela entrega e agora também pelas câmeras de segurança do prédio da empresa.
O futuro do trabalho não será mais 100% remoto, mas também não será mais 100% da empresa.
Será do talento que souber equilibrar entrega com sanidade, flexibilidade com ética, múltiplos contratos com responsabilidade.
E principalmente: será de quem entende que liberdade de verdade exige disciplina.
Autor: Redator Corelab